A crise venezuelana <br>em perguntas e respostas

Pedro Campos

Muito se fala na crise eco­nó­mica pela qual atra­vessa a Ve­ne­zuela. Os jor­nais da di­reita mais re­ac­ci­o­nária quando se re­ferem à re­vo­lução bo­li­va­riana é para no­ti­ciar as di­fi­cul­dades da po­pu­lação para con­se­guir ali­mentos, me­di­ca­mentos ou pro­dutos de hi­giene bá­sicos, e ao surto in­fla­ci­o­nário. Não se nega nem uma nem a outra re­a­li­dade. Mas é im­por­tante des­tacar que nin­guém quer dizer a ver­dade e os porquês da mesma.

Aqui tra­ta­remos de lançar al­guma luz sobre este tema, mesmo ad­mi­tindo que houve, e há, erros que urge cor­rigir e que os ve­ne­zu­e­lanos cer­ta­mente en­con­trarão ma­neiras de o fazer para que os bons re­sul­tados da re­vo­lução, que são muitos (basta lem­brar a cons­trução de mais de um mi­lhão de casas ou o salto es­pec­ta­cular na ma­trí­cula es­colar), mas não en­con­tram es­paço nos media da di­reita in­ter­na­ci­onal.

Para tal apoiar-nos-emos numa aná­lise eco­no­mé­trica re­cente ( Dez. 2015) da es­pe­ci­a­lista Pas­qua­lina Curcio Curcio, pro­fes­sora Ti­tular do De­par­ta­mento de Ci­ên­cias Eco­nó­micas e Ad­mi­nis­tra­tivas e de Co­or­de­nação de Pós-gra­du­a­ções em Ci­ência Po­lí­tica da Uni­ver­si­dade Simón Bo­lívar, uma das mais pres­ti­gi­adas do país.

Será que houve uma quebra na pro­dução agrí­cola ou na total? No pe­ríodo 2003/​2013 o PIB agrí­cola e o PIB total au­men­taram res­pec­ti­va­mente 25 por cento e 75 por cento.

Sa­bendo que a Ve­ne­zuela é um país mo­no­pro­dutor (pe­tróleo) e grande im­por­tador de ser­viços e bens, co­loca-se a per­gunta: será que bai­xaram as im­por­ta­ções? Nesse mesmo pe­ríodos, as de ali­mentos e to­tais su­biram 571,7 por cento e 388,9 por cento, res­pec­ti­va­mente. Será que o es­tado não en­tregou di­visas aos im­por­ta­dores? Isto também não é certo. Com­pa­rando as mesmas datas, o in­cre­mento de dó­lares para o sector im­por­tador pri­vado foi de 442 por cento!!!

Será que se deu um au­mento des­me­dido do con­sumo? É certo que se ve­ri­ficou um cres­ci­mento im­por­tante do con­sumo de bens e ser­viços no­me­a­da­mente por parte das po­pu­lação de me­nores re­cursos. Con­tudo, o con­sumo total – go­verno e pes­soas – subiu 83 por cento ou seja menos do que a com­bi­nação do au­mento da pro­dução total mais as im­por­ta­ções.

Até aqui re­fe­rimos al­guns nú­meros fun­da­men­tais sobre a pro­dução para des­mentir que a es­cassez de bens es­sen­ciais se deva à falta de pro­dução ou quebra das im­por­ta­ções. O que tem ha­vido, e há ainda, é uma guerra eco­nó­mica im­pla­cável e cri­mi­nosa para varrer o pro­cesso pro­gres­sista, a qual rendeu frutos à di­reita nas úl­timas elei­ções le­gis­la­tivas, onde ga­nhou uma mai­oria con­for­tável para tentar o as­salto ao poder po­lí­tico e de­volvê-lo aos ini­migos tra­di­ci­o­nais da so­be­rania na­ci­onal.

In­flação. Se­gundo o Banco Cen­tral da Ve­ne­zuela, entre Jan/​Set 2015 a in­flação tocou os 109 por cento. É um facto. A que se deve esse nível de in­flação? Fun­da­men­tal­mente a uma pá­gina de In­ternet (Dolar Today), lo­ca­li­zada, ao que tudo in­dica, em Miami, na qual o dólar norte-ame­ri­cano apa­rece co­tado a va­lores exor­bi­tantes em re­lação às três taxas ofi­ciais: Bs. F. 6,30 por USD para com­pras de ali­mentos e me­di­ca­mentos; Bs. F. 13,20 por USD para vi­a­jantes in­ter­na­ci­o­nais (em li­nhas ge­rais, cada pessoa tem di­reito a c. 3000 USD por ano); e ainda um ter­ceiro nível (ac­tu­al­mente perto de Bs. F. 200 por USD) para ou­tros fins. Pois, em Dolar Today a co­tação anda perto de Bs. F. 1000 por USD... e é por este valor ir­real que se guiam todos os co­mer­ci­antes para es­ta­be­lecer os seus preços!!! Se­gundo a eco­no­mista, este «dólar pa­ra­lelo», que em nada se re­la­ciona nem com as re­servas em di­visas do país nem com o tal in­cre­mento de 422 por cento de di­visas para os im­por­ta­dores pri­vados é o res­pon­sável por 73,1 por cento da in­flação. Dito de outro modo, a in­flação não é pro­duto dos fac­tores já men­ci­o­nados, nem do in­cre­mento da pro­cura agre­gada, nem da di­mi­nuição da oferta agre­gada; também não re­sulta do au­mento da li­quidez mo­ne­tária... mas sim da es­pe­cu­lação fi­nan­ceira e da sa­bo­tagem in­ter­na­ci­onal contra o moeda na­ci­onal: o bo­lívar fu­erte/​forte!

E con­clui que o de­sa­bas­te­ci­mento de bens es­sen­ciais se deve a três si­tu­a­ções: 1) Di­mi­nuição re­la­tiva das im­por­ta­ções em Kgs. em re­lação com o au­mento das im­por­ta­ções em USD (os im­por­ta­dores pri­vados não estão a uti­lizar todos os dó­lares re­gis­tados para im­portar; de facto, em 2003 a re­lação de preço kg/​USD era de 0,83 e saltou para 2,34 em 2013); 2) Açam­bar­ca­mento de bens es­sen­ciais (ali­mentos, me­di­ca­mentos, pro­dutos de hi­giene...), cuja dis­tri­buição está con­tro­lada por grande grupos pri­vados; 3) Co­lo­cação de bens nou­tros mer­cados (con­tra­bando), e daí o en­cer­ra­mento da fron­teira com a Colômbia.

Esta é a ver­dade.




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